reconheces? Ah! é verdade; estou todo coberto de lama! Sou Charles Z..."
A este nome, os assistentes se lembraram de um senhor morto, alguns meses antes, atingido de um ataque de apoplexia, na beira de um caminho; tinha caído num fosso, de onde se tinha retirado seu corpo, coberto de lama. Ele declara que, querendo conversar com seu antigo amigo, aproveitou de um momento em que o Espírito da senhora A..., a sonâmbula, estava
afastado de seu corpo, para se colocar em seu lugar. Com efeito, tendo se renovado esta cena vários dias seguidos, a senhora A... tomava cada vez as poses e as maneiras habituais do Sr. Charles, virando-se sobre a costa da poltrona, cruzando as pernas, roçando o bigode, passando os dedos sobre seus cabelos, de tal sorte que, salvo o vestuário, poder-se-ia crer ter o Sr. Charles diante de si; no entanto, não havia transfiguração, como vimos em outras circunstâncias. Eis algumas de suas respostas:
P. Uma vez que tomastes posse do corpo da senhora A..., poderíeis ali ficar? - R. Não, mas isso não é a boa vontade que me falta.
P. Por que não o podeis?
R - Porque seu Espírito está sempre preso ao seu corpo.
Ah! se eu pudesse romper esse laço, pregar-lhe-ia uma peça.
P. Que fez durante esse tempo o Espírito da senhora A... ?-
R. Estava lá, ao lado, me olhava e ria de ver-me nesse vestuário.
Essas conversas eram muito divertidas; o Sr. Charles fora um alegre vivente, não desmentia seu caráter; dado à vida material, era pouco avançado como Espírito, mas naturalmente bom e benevolente. Tomando do corpo da senhora A..., não tinha nenhuma intenção má; também essa senhora não sofria de nenhum modo dessa situação, à qual se prestava de boa vontade, É bom dizer que ela não havia conhecido esse senhor, e não podia estar com efeito em suas maneiras. Há ainda a anotar que os assistentes nem pensavam
nele, a cena não foi provocada, e que veio espontaneamente.
A possessão é aqui evidente e ressalta melhor dos detalhes, que seria muito longo
reportar; mas é uma possessão inocente e sem inconveniente. Não ocorre o mesmo
quando ela é o fato de um Espírito mau e mal intencionado; pode então ter conseqüências
tanto mais graves quanto esses Espíritos sejam tenazes, e que se torna, freqüentemente,
muito difícil livrar deles o paciente do qual fazem sua vítima. Eis disso um exemplo recente,
que nós mesmos podemos observar, e que foi objeto de estudo sério pela Sociedade
de Paris.
A senhorita Julie, doméstica, nascida em Savoie, com a idade de vinte e três anos,
de um caráter muito doce, sem nenhuma espécie de instrução, estava há algum tempo
sujeita a acessos de sonambulismo natural, que duravam semanas inteiras; nesse estado
ela vagava em seu serviço habitual, sem que as pessoas estranhas desconfiassem disso;
seu trabalho mesmo era muito mais cuidadoso. Sua lucidez era notável; ela descrevia os
lugares e os acontecimentos à distância com uma perfeita exatidão.
Há mais ou menos seis meses, tornou-se presa de crises de um caráter estranho,
que ocorriam sempre durante o estado sonambúlico, de alguma sorte se tornou o estado
normal. Ela se contorcia, rolava na terra como se debatesse sob a opressão de alguém
que procurava estrangulá-la, e, com efeito, tinha todos os sintomas da estrangulação; acabava
por derrubar esse ser fantástico, tomava-o pelos cabelos, cobria-o em seguida de
golpes, de injúrias e de imprecações, repreendendo-o sem cessar com o nome de Frédégonde,
infame regente, rainha impudica, vil criatura suja de todos os crimes, etc. Sapateava
como se a pisasse sob os pés com raiva, lhe arrancasse suas roupas e seus adornos.
Coisa bizarra, se tomava ela mesma por Frédégonde, se dava golpes redobrados sobre os braços, o peito e o rosto, dizendo: 'Toma! toma! disso tens tu bastante, infame Frédégonde?
Queres me sufocar, mas não alcançarás esse fim; queres te meter em minha caixa,
mas eu saberia bem isso te afastar." Minha caixa era o termo do qual ela se servia
para designar seu corpo. Nada poderia pintar o assento frenético com o qual ela pronunciava
o nome de Frédégonde, rangendo os dentes, nem as torturas que ela experimentava
Um dia, para se desembaraçar de seu adversário, agarrou uma faca e feriu-se a si
mesma, mas se pôde detê-la a tempo para impedir um acidente. Coisa não menos notável,
é que jamais ela não tomou nenhuma das pessoas presentes por Frédégonde; a dualidade
era sempre em si mesma; era contra ela que dirigia seu furor quando o Espírito
estava nela, e contra um ser invisível quando dele estava desembaraçado; para os outros,
ela era doce e benevolente mesmo nos momentos de sua maior exasperação.
Essas crises, verdadeiramente terríveis, freqüentemente, duravam algumas horas e
se renovavam várias vezes por dia. Quando ela acabava por derrubar Frédégonde, caía
num estado de prostração e acabrunhamento do qual não saía senão com o tempo, mas
que lhe deixava uma grande fraqueza e um embaraço na palavra.
Sua saúde com isso
era profundamente alterada; nada podia comer e ficava às vezes oito dias sem tomar alimento.
Os melhores alimentos tinham para ela um gosto terrível que a fazia rejeitá-los; era, para ela, a obra de Frédégonde, que queria impedi-la de comer.
Dissemos mais acima que essa jovem não recebeu nenhuma instrução; no estado
de vigília, jamais ouviu falar de Frédégonde, nem de seu caráter, nem do papel que esta
desempenhava. No estado de sonambulismo, ao contrário, sabia-o perfeitamente, e disse
ter vivido em seu tempo. Não era Brunchaut, como se havia de início suposto, mas uma
outra pessoa ligada à sua corte.
Uma outra nota, não menos essencial, é que, quando começaram essas crises, a senhorita Julie jamais tinha se ocupado do Espiritismo, cujo nome mesmo lhe era desconhecido.
Ainda hoje, no estado de vigília, lhe é estranha e não crê nele. Não o conhece
senão no estado de sonambulismo, e somente depois que se começou a cuidar dela. Tudo o que ela disse, pois, foi espontâneo.
Em presença de uma situação tão estranha, uns atribuem o estado dessa jovem a uma afecção nervosa; outros a uma loucura de um caráter especial, e é necessário convir que, à primeira vista, esta última opinião tinha uma aparência de realidade. Um médico declarou que, no estado atual da ciência, nada podia explicar semelhantes fenômenos, e que não via nenhum remédio. No entanto, pessoas experimentadas em Espiritismo reconheceram
sem dificuldade que ela estava sob o império de uma subjugação das mais
graves e que poderia lhe tornar fatal. Sem dúvida, aquele que não tivesse visto senão os momentos de crise, e não tivesse considerado senão a estranheza de seus atos e de suas palavras, teria dito que ela estava louca, e ter-lhe-ia infligido o tratamento dos alienados que, sem nenhuma dúvida, teria determinado uma loucura verdadeira; mas esta opinião
deveria ceder diante dos fatos. No estado de vigília, sua conversação era a de uma pessoa de sua condição e em relação com sua falta de instrução; sua própria inteligência era vulgar; era tudo diferente no estado de sonambulismo: nos momentos de calma, ela raciocina com muito sentido, justeza e uma verdadeira profundidade; ora, essa seria uma
singular loucura quanto aquela que aumentaria a dose de inteligência e de julgamento. Só o Espiritismo pode explicar essa anomalia aparente. No estado de vigília, sua alma ou Espírito está comprimido por órgãos que não lhe permitem senão um desenvolvimento incompleto; no estado de sonambulismo, a alma, emancipada, está em parte livre de seus
laços e goza da plenitude de. suas faculdades. Nos momentos de crise, seus atos e suas palavras não são excêntricas senão para aqueles que não crêem na ação dos seres do mundo invisível; não vendo senão o efeito, não remontam à causa, eis porque todos os obsidiados, subjugados e possessos passam por loucos. Nas casas de alienados, em todos os tempos, houve pretensos loucos dessa natureza, e que se curariam facilmente se não se obstinassem em não ver neles senão uma doença orgânica.
Nesse momento, como a senhorita Julie era sem recursos, uma família de verdadeiros e sinceros Espíritas consentiu em tomá-la a seu serviço, mas nessa posição ela devia ser muito mais um embaraço do que uma utilidade, e seria necessário um verdadeiro devotamento para dela se encarregar. Mas essas pessoas disso foram bem recompensadas, primeiro pelo prazer de fazer uma boa ação, e em seguida pela satisfação de ter contribuído poderosamente para a sua cura, hoje completa; dupla cura, porque não só a senhorita Julie está livre, mas seu inimigo está convertido para melhores sentimentos.
Aí está o que testemunhamos de uma dessas lutas terríveis que não duram menos de duas horas, e que pudemos observar o fenômeno nos mais minuciosos detalhes, fenômeno no qual reconhecemos imediatamente uma analogia completa com os dos possessos de Morzines (1). A única diferença é que em Morzines os possessos se entregavam a atos contra os indivíduos que os contrariavam, e que falavam do diabo que tinham neles, porque lhes tinham persuadido de que era o diabo.
A senhorita Julie, em Morzines, seria chamada Frédégonde, o Diabo.
Através deste estudo vemos que Allan Kardec não apenas reconheceu a possessão como a estudou e teve dela casos que atestaram sua veracidade.
Muitos citam Kardec, poucos são os que se dedicam ao estudo aprofundado de suas obras.
Portanto, afastemos de nós a preguiça, que muitas vezes, nos faz aceitar tudo o que lemos e ouvimos, e vamos, por nossa vez, nos dedicarmos um pouco mais ao estudo de nossa Doutrina, seguindo assim, o inesquecível conselho do Espírito Verdade, frase tema de nosso blog:
"Espíritas amai-vos, eis o primeiro mandamento. E Instruí-vos eis o segundo."
Espírito Verdade, Evangelho Segundo o Espiritismo, CAP. VI item 5
Paz e luz!
Fonte: Livro dos Espíritos perguntas 473 e 474
Revista Espírita de dezembro de 1862 sobre os possessos de Morzines, (1)
Revista Espírita de dezembro de 1863 Um caso de Possessão.